Fatores como sustentabilidade, padronização de processos na perfumaria mundial e a segurança da saúde do consumidor estão tornando os elementos sintéticos cada vez mais comuns em perfumes. Nesse artigo esclarecemos mitos sobre os ingredientes sintéticos em perfumes, a origem e o propósito deles.
Até meados dos anos 90 a utilização dos chamados ingredientes animais na perfumaria era comum. Com aperfeiçoamento e novidades na indústria cosmética, perfumistas e cientistas passaram a recria-los de forma sintética em laboratórios. Diversos motivos justificam essas adaptações: as formas de extração desses ingredientes consistem em práticas de crueldade animal, que iam na contramão de princípios éticos, e tais ingredientes eram necessários em grandes quantidades. Sua extração desenfreada, além de contar com métodos cruéis e antiéticos, poderiam gerar desequilíbrios ambientais irreversíveis como a alteração de ecossistemas e até mesmo colocar animais em risco de extinção.
Entre os ingredientes de origem animal, os mais populares e presentes em perfumes são Amber gris (ou Âmbar Cinza) e Musk.
O Amber gris resumidamente é um cálculo estomacal expelido por baleias cachalotes como reação do organismo a alguns elementos contidos em lulas e polvos que elas ingerem. Ao ser expelido, ele passa anos no mar sob exposição ao sol, até chegar em costas e ser encontrado. Há o mito de que ele é o vômito de baleias, porém a excreção deste elemento ocorre pelo ânus das baleias, e não pela boca.
Pedra de Amber gris em seu estado natural.
A raridade de se encontrar o âmbar cinza na natureza por vias orgânicas provocou a preocupação sobre a caça desenfreada de baleias a fim de extrair esse material do estômago delas, a descoberta da existência dessa substância ocorreu no século 19 – período em que a caça a baleias era feita em larga escala. Atualmente países como os Estados Unidos, Austrália e Índia proíbem o comércio desse material para evitar caça e exploração de baleias. Nos Estados Unidos, a lei existe desde 1972 e proíbe desde a comercialização até o simples recolhimento do âmbar ao ser encontrado em uma praia.
Dentro da perfumaria o Amber gris, misturado à outros ingredientes, é usado para se constituir a famosa nota Âmbar: levemente amadeirada, remete ao cheiro de mel, com nuances aveludadas, quentes e criando a sensação de aconchego em perfumes, também contribuindo para fixação da fragrância. Atualmente, os diferentes tipos de Amber gris são recriados sinteticamente em laboratório por meio de materiais como Ambrocenide, assim, a indústria da perfumaria consegue um melhor controle sobre o comportamento na pele e quais acordes gostaria de usar na composição olfativa do perfume. A recriação do Âmbar gris/âmbar em laboratório também consegue atender às linhas de produção de alta escala dos perfumes de grandes marcas, e evita que animais sejam explorados para sua geração.
O Musk também tem origem controversa, sua extração era de espécies de animais chamadas almiscareiros/almiscarados: Cervo Almiscarado, Bois Almiscarados e o Gato Almiscarado. Podendo ser chamado de almíscar ou musk – palavras que significam “testículos” em persa e árabe, respectivamente. Os animais eram mortos e seus testículos removidos, a partir daí extraía-se a secreção e gerava-se o material usado para perfumes.
Cervo Almiscarado fotografado no Afeganistão. Chegou a ser considerado extinto nos anos 50 devido à caça ilegal.
Por conta da tamanha crueldade envolvendo a aquisição do musk, sua utilização caiu em desuso, foi proibida por diversos países em meados dos anos 70, e o musk sintético conseguiu substituir seguramente o animal.
O musk sintético ainda permite melhor manipulação, dosagem e performance da substância nos perfumes, sendo o Galaxolide sua principal reprodução em laboratório. O aroma é utilizado na perfumaria com intuito de pincelar elegância e sofisticação, a partir do cheiro delicado e levemente adocicado, tem nuances amadeiradas e florais, proporcionando sensação de maciez e deixando a fragrância envolvente.
Além dos ingredientes animais como Musk e Âmbar, ingredientes florais, amadeirados e frutados também estão sendo reproduzidos em laboratório. Isso ocorre para que não haja desequilíbrios ambientais devido a uma produção massiva que atenda à toda indústria de perfumaria mundial. Todos os anos, milhões de frascos de perfumes são produzidos para venda, portanto seria inviável que absolutamente toda e qualquer matéria prima para suas confecções viesse de origem natural.
Avanços tecnológicos como o método de extração por destilação de flores onde elas são colocadas em esferas e tem seu óleo extraído em um processo totalmente laboratorial, diminuem a longa espera por cultivação e maceração de flores suficientes para produzir-se o óleo essencial. Um grande exemplo é o processo de geração natural do óleo de rosa: 3 toneladas de pétalas devem ser processadas para adquirir-se 1kg do óleo da rosa. Parece uma quantidade alta, não é mesmo? Esse processo inclusive faz com que o óleo de rosa seja um dos ingredientes mais caros da perfumaria, portanto a recriação de forma sintética do óleo essencial da flor pode tornar o processo menos demorado, e até mesmo mais seguro, pois o óleo produzido em laboratório é pensado desde o início para se comportar bem na pele.
Ainda há a possibilidade de uma pequena quantia de óleo essencial natural servir de base para ser multiplicado sinteticamente em laboratório, processo comum com o Hibisco.
Dessa forma, os ingredientes sintéticos são uma representação de avanços tecnológicos, mantendo qualidade idem ou até superior à ingredientes naturais, proporcionando segurança para o consumidor que estará menos exposto ao risco de possíveis alergias à óleos naturais, e mantendo a indústria de cosméticos e perfumes com diretrizes que respeitam o meio-ambiente, animais e seus habitats com práticas sustentáveis.